Cão-guia: amor, dedicação e inspiração para deficientes visuais

Cão-guia: amor

A importância do cão-guia para os deficientes visuais
Por YesPets -
23 de abril de 2020

No dia 29 de abril é comemorado o Dia Internacional do Cão-Guia. Uma data para celebrar a existência desses inteligentes e heroicos companheiros que são ensinados para orientar pessoas cegas.
Aqui na Pet, estamos preparando conteúdos bem legais sobre o assunto e que serão publicadas ainda neste mês, aguarde! Pra começar, a gente traz uma entrevista com a Thays Martinez, advogada, que há 20 anos foi uma das primeiras pessoas no Brasil a ter a companhia de um cão-guia.
Martinez e Sophie – Foto: arquivo pessoal
A história de Martinez se mistura com a dos cães-guias, já que graças a uma ação dela contra o Metrô de São Paulo – que havia barrado ela e Boris (seu primeiro cão-guia) de utilizarem o transporte público -, que outras duas Leis – uma Estadual e outra federal – foram inspiradas e deram garantia de acesso aos cães-guia a todo e qualquer local público e privado de uso coletivo.
Além de advogada, Martinez é escritora e em 2011 publicou o livro Minha Vida com Boris, pela Editora Globo, no qual narra suas memórias de profunda amizade com seu primeiro cão-guia. Atualmente, Martinez atua na área de Relações Institucionais do Instituto Magnus, que desde 2015 trabalha na formação de cães-guias e em prol das pessoas com deficiência visual.
Leia abaixo o nosso bate-papo:
Como foi a decisão de adotar um cão-guia?

Desde criança, sempre fui apaixonada por cães. Aos sete anos, uma professora me contou sobre a existência de cães-guia em outros países e eu fiquei encantada com a ideia de poder unir o útil ao agradável.

Ou seja, eu teria uma contribuição importante para poder andar por aí com segurança e, principalmente, poderia estar o tempo todo na companhia desses seres iluminados. A ideia era perfeita demais e eu simplesmente soube que, um dia, eu teria um desses cães em minha vida.
Quais as principais diferenças entre uma vida com e sem cão-guia?

Bom, aquele sonho de infância, de ter um cão-guia, teve de esperar até os meus 26 anos para ser realizado. Quando chegou a adolescência, fase em que buscamos maior autonomia, eu também não queria ficar o tempo todo na barra da saia da minha mãe. Ao mesmo tempo, eu não me sentia segura para andar com a bengala, em especial por receio de bater o rosto em um galho de árvore ou uma escada de reforma, os chamados obstáculos aéreos.

Então, a lembrança do cão-guia veio como a solução perfeita. O problema é que descobri, com grande frustração, que não existiam escolas de cães-guia no Brasil, na época. Cheguei a fazer algumas tentativas, com projetos-piloto que começavam a pipocar por aqui, mas, foi uma grande frustração e não deu certo. Eu estava inconformada com essa realidade. Foi, então, que duas amigas – Mônica e Renata –, começaram a me ajudar a procurar fora do Brasil.

Depois de muitos nãos, encontramos uma escola norte-americana, a Leader Dogs for the Blind, que tinha acabado de fechar uma parceria com uma instituição brasileira e iriam selecionar quatro pessoas para receberem seus cães-guia em abril de 2000.

Eu me inscrevi para o processo seletivo e, mesmo sabendo que minhas chances eram pequenas (estavam dando preferência para pessoas de Santa Catarina, onde a instituição estava localizada) persisti e fiz tudo que estava ao meu alcance para participar dessa turma. Mal pude acreditar quando o instrutor me ligou dizendo que eu tinha sido aprovada.
Há quanto tempo você tem um cão-guia? Quantos companheiros caninos já fizeram parte da sua vida?

Então, há exatos 20 anos, eu recebi Boris, meu primeiro cão-guia – um Labrador amarelo, com personalidade de Golden. Depois dele veio Diesel, um Labrador preto – muito dedicado e introspectivo –; depois, Sophie, minha atual companheira canina. Também Labradora preta, é uma figura rara. Curiosamente percebo que cada um deles veio com um temperamento e personalidade incrivelmente apropriados para o momento que eu estava vivendo. O amor, a dedicação e a competência deles foram grandes lições de vida para mim e para muitos amigos que fizemos juntos.

Costumo dizer que minha via se divide em AB e DB – antes e depois do Boris. Claro que todas as coisas boas que Boris trouxe para minha vida, também foram entregues por Diesel e Sophie. Mas o primeiro cão-guia é muito marcante, porque representa uma transformação em sua vida. Marca o início de uma nova jornada e só quem já vivenciou isso é capaz de compreender a intensidade dessa relação. Costumo brincar que nem mesmo as 144 páginas do meu livro, “Minha vida com Boris”, foram suficientes para expressar a profundidade dos sentimentos de felicidade, gratidão e liberdade que eles nos proporcionam.
Como é sua relação com a Sophie? Conte-nos um pouco sobre ela.

Sophie é, ao mesmo tempo, a mais carinhosa e mais independente dos três cães-guia que tive. Muito curiosa, ela, às vezes, fica parada, olhando para algo que a pessoa está fazendo, como se quisesse compreender o que é e como se faz! Ela é muito cuidadosa e fica indignada com as péssimas condições das calçadas de São Paulo. Quando encontramos algum carro parado na calçada, impedindo nossa passagem, ela se recusa a ir pela rua e fica olhando para a cara do motorista, como quem pergunta: “O trato não é carro na rua e pedestre na calçada?”
Conte como o cachorro te ajuda no dia a dia. Quais as maiores dificuldades mesmo com a presença deles?

O cão-guia propicia uma locomoção muito segura e fluida. Não tenho que me preocupar com obstáculos, porque ela desvia de todos. A fluidez da caminhada com um cão-guia é muito prazerosa, porque não precisamos parar a cada buraco para descobrir o melhor caminho. O cão, olhando o cenário geral, antecipa-se e escolhe o melhor caminho.

Geralmente, eu nem fico sabendo que existia um galho de árvore, por exemplo. De qualquer forma, temos muitos problemas de acessibilidade em São Paulo e isso atrapalha demais as pessoas que têm deficiência visual, em especial aquelas que não querem ou não podem ainda ter um cão-guia.

Também é ruim para idosos, mães com carrinhos de bebê, ou até para quem não tem nenhuma dessas dificuldades. Quantas pessoas não torcem o pé em razão de um buraco na calçada? Essa história dos carros parados nas calçadas também é bem ruim, fora a questão do desrespeito às faixas de pedestre.

Apesar da legislação existente, ainda encontramos alguns estabelecimentos, como bares ou restaurantes que tentam impedir o acesso do cão-guia, também alguns motoristas de aplicativos recusam levar cães-guia e até cadeira de rodas. Gostaria de destacar, no entanto, que a maioria é bem receptiva com os cães-guia.

Outro ponto importante é que as pessoas não levam muito a sério a regra de não tirar a atenção do cão-guia quando ele está guiando. Sei que eles são encantadores e é difícil resistir, mas, as pessoas devem se lembrar que uma distração do cão pode levar a pessoa cega a sofrer um acidente.

Eu, particularmente, gosto da interação com pessoas que o cão-guia proporciona, então, sempre que posso, deixo as pessoas interagirem. Mas, às vezes, estou correndo para um compromisso e não posso parar para conversar e permitir essa interação. A regra de ouro é sempre perguntar para o tutor do cão se é um bom momento para interagir e, mais importante, não ficar chateado, caso a resposta seja negativa. Risos.
Como vocês estão lidando com essa quarentena imposta pelo COVID-19?

Moro sozinha com a Sophie e, mais do que nunca, temos feito muita companhia uma para a outra. Minhas únicas saídas são para as necessidades dela e uma longa caminhada diária para garantir a atividade física que ela precisa. Tenho saído de máscara para essas caminhadas e, na volta, é quase uma operação de guerra!

Quando voltamos, a Sophie já se senta perto da porta de entrada, esperando que eu faça a higienização das patas dela; é muito fofa! Aprendeu super rápido a nova rotina. Bom, tenho que confessar algumas pequenas infrações…

O sofá tem sido nosso lugar favorito e, considerando a excepcional situação, foi liberado para Sophie. Ela está bem grudada comigo, enquanto leio um livro ou faço alguma reunião virtual, ela se senta ao meu lado e, basicamente, se joga em cima de mim. A prática de meditação diária também tem me ajudado muito. Mas, tive que adaptar a posição, porque agora é uma meditação em dupla. De qualquer forma, acho que é um pouco estressante para ela também.

Ela estava acostumada a ver e interagir com muitas pessoas todos os dias. Procuro compensar, brincando mais com ela e fazendo massagem todos os dias. É relaxante para ela e para mim também.
O que você pensa sobre as pessoas cegas que preferem nem cogitar ter um cão-guia?

Penso que estamos vivendo em um mundo tão polarizado em tudo, que até querer ou não ter um cão-guia vira motivo de discussão.

Para mim, o cão guia foi uma transformação incrível e não consigo imaginar minha vida sem eles. No entanto, entendo completamente que alguém não queira ter um. Quero viver em um mundo em que as pessoas possam fazer livremente suas escolhas e que todos possam respeitar e apoiar essas escolhas.
Quais curiosidades acontecem no seu dia a dia que as pessoas nem imaginam?

Como disse, tenho cão-guia há 20 anos. Ainda assim, sou surpreendida até hoje com a inteligência e competência deles. Recentemente fui a um shopping com a Sophie, pela primeira vez.

Eu queria ir ao mercado e sabia que se localizava no subsolo. Então, pedi a ela que encontrasse um elevador. Mas, não disse mais nada, como, por exemplo, vire à direita ou esquerda; até porque eu não conhecia o caminho. Então, ela começou a andar, toda atenta e animada, olhando para todos os lados.

Eu, não tinha ideia do que estava acontecendo, se ela estava procurando o elevador, ou olhando as vitrines, ou procurando pipocas pelo chão. De repente, ela começou a andar mais rápido e então parou decidida. Eu, percebi que havia um piso tátil e, levando a mão para frente, descobri que estava de frente para o elevador. É genial!
O amor e a dedicação deles são inspiradores…

#cachorro

Camillo Dantas

Camillo, redator apaixonado, especialista em criar conteúdos envolventes e impactantes para o site. Viaja e estuda incessantemente para produzir textos únicos, inspiradores e precisos.

Receitas relacionadas

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Go up

Nós utilizamos cookies para melhorar a sua experiência no nosso site. Ao continuar navegando, você concorda com o uso de cookies conforme nossa Política de Privacidade. Não aceito